Histórias da imprensa

Histórias da imprensa

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

A mais VIP das revistas

Na década de 1990, dirigi durante seis anos a revista VIP, então chamada de VIP Exame, quando era ainda um suplemento de EXAME, publicado mensalmente - EXAME era quinzenal, e VIP alternava as quinzenas com Informática EXAMe, que também mais tarde se tornaria independente, com o nome de Info. Primeiro, sob a supervisão do jornalista Antonio Machado, então diretor de EXAME, e depois de José Roberto Guzzo, que me dava completa liberdade para trabalhar (conversávamos apenas sobre as capas, a única coisa que ele queria ver quando eu fechava).

Foi uma experiência rica para mim e significativa para um mercado então emergente, que seguia na esteira da abertura das importações promovida por Fernando Collor. Depois de três décadas de ditadura e xenofobia econômica, num país onde antes somente se saía com um punhado de dólares enfiados no bolso porque nem havia cartão de crédito internacional, o Brasil começava a se integrar ao resto do mundo - e a elite estava na ponta desse processo.


VIP era um suplemento, mas fazia um grande esforço de jornalismo. Algumas de suas capas se tornaram célebres. Foi VIP quem primeiro fez um perfil de Paulo Coelho, quando ele apenas começava a se tornar o "mago" (ainda antes da minha gestão, quando a revista era dirgida pelo jornalista José Ruy Gandra). Ali Coelho firmou seu marketing, dizendo que podia voar e fazia chover, entre outras mágicas literárias.

Foi também a primeira a entrevistar e perfilar um então jovem empresário chamado Eike Batista. Pela primeira vez, uma publicação contava a história de como Eike fizera fortuna nos garimpos da Amazônia, abria empresas a passos rápidos e causava furor ao se casar com a bomshell do momento, Luma de Oliveira, num rumoroso caso de abandono duplo dos ex-noivos de ambos, que fervia nas colunas sociais.

Eike, que me recebeu da primeira vez com uma pistola sobre a mesa num escritório no Flamengo, queria mostrar como havia se tornado campeão em competições de superlanchas nos Estados Unidos, com um barco na época invencível - o "Espírito do Amazonas". Mais tarde, me receberia com Luma no iate clube e passou uma tarde fotografando para a capa da revista em um de seus barcos de corrida. E desapareceria da mídia por mais de uma década.

Em VIP, mostramos quem eram os novos donos do dinheiro - não mais os antigos pioneiros, e sim jovens empresários advindos da classe média, que tinham curso superior, e criavam novas fortunas rapidamente. E que davam valor não apenas ao trabalho suado, código dos velhos pioneiros do empreendedorismo, como a um outro tipo de bem que dava mais status do que a simples demonstração de riqueza: a educação e o refinamento.

Provocadora, a revista promovia encontros impossíveis. Alguns eram divertidos, como o bate papo transcrito do encontro entre o maestro Eleazar de Carvalho e o roqueiro Supla. Alguns desses encontros, no entanto, chegaram a ser realmente importantes, como o que promovemos entre o então presidente da Fiesp, Mario Amato, e o líder sindical Vicentinho, que recebeu uma menção honrosa dos jurados do prêmio Abril daquele ano.

O mais importante é que VIP foi uma revista antenada com seu tempo. Ao promover um concurso de receitas, com o patrocínio do empresário Otávio Piva, importador de vinhos e da marca italiana Barilla, VIP descortinou uma novidade comportamental da época. Ao descobrir que os homens cozinhavam, e as pessoas de forma geral procuravam se sofisticar, alinhou-se com o crescimento do mercado do luxo no Brasil. O concurso, que teve como vencedor Fernando Altério, então dono do Palace, a maior casa de espetáculos de São Paulo, com o prato "farfalle impazzite", foi o início de uma nova era.

VIP mostrou que os homens, em especial os qualificados leitores de EXAME, se organizavam em confrarias gastronômicas e enológicas. A chamada "Confraria de Babette", homenagem ao filme que celebrava os prazeres da mesa, tornou-se então famosa.

Graças aos concurso, Piva firmou Barilla, um macarrão popular na Itália, como um produto de primeira classe no Brasil. E não apenas catapultou suas vendas de vinhos importados como abriu o Emporio Santa Maria, um supermercado onde o destaque eram os produtos importados, e mostrou o caminho a sua irmã, Eliana Tranchesi, fundadora da Daslu, outro ícone do luxo nessa fase.

Não se falava em VIP apenas de comida e viagens. Havia cinema, arte, litratura. Como um guia de São Paulo, falávamos de artes plásticas. Tínhamos grandes colaboradores, em especial jornalistas consagrados, como Ruy Castro, que entre outras coisas escreveu sobre a história da caneta Parker, e nomes como Casimiro Xavier de Mendonça e João Candido Galvão (artes plásgticas) e Leo Gilson Ribeiro (literatura), que tiveram colunas em VIP até o final da vida.

Havia, também, escritores consagrados. Lembro com carinho de uma série especial da seção "Viagem Inteligente", com o relato de escritores sobre seus lugares favoritos no mundo. Lygia Fagundes Telles escreveu sobre Gotemburgo; Antonio Callado, sobre Roma; Nélida Piñon, sobre Barcelona; Luís Fernando Veríssimo, sobre Paris.

Os empresários do setor de luxo tornaram-se ao mesmo tempo personagens e parceiros: despontou toda uma nova geraão para o mundo dos negócios que tinha na revista seu espelho, como André Brett, na moda, e Rogério Fasano (restaurantes e hotelaria). E passaram pela capa de VIP gete tão diferente quanto a então bela hstess do Plaza em Nova York, a brasileira Celita Jackson, quanto os entãos reis da festa Rcardo Amaral e José Victor Oliva, o cardiologista Adib Jatene, o escritor José Saramago e Tom Jobim.

Alguns personagens em VIP foram furos de reportagem, como a capa sobre Chico Buarque, explicando por que ele passara a escrever romances - uma entrevista inédita na Editora Abril, com quem Chico tinha uma velha rixa, por suas aversão à principal publicação da casa, a revista Veja. E o perfil com entrevista então inéditos de um magnata da fé, o então ascendente bispo da Universal Edir Macedo, que jamais tinha recebido antes alguém da imprensa - tive a oportunidade de entrevistá-lo pessoalmente.  

Com o crescimento da revista, VIP se tornou uma publicação independente de EXAME, em 1997. Reestilizou o seu antigo logo, esguio e sofisticado: ficou um logo mais pesado, destinado a causar impacto, criado pelo então diretor de arte de EXAME, Píndaro Camarinha. E passou a colocar mulheres na capa, de modo a aumentar sua venda em bancas, da qual passou a depender com a saída da nave-mãe. Porém, mantém desde então seu espírito de servir ao bem estar masculino e ser um guia de sofisticação e bem viver.

























O concurso Barilla: marco no comportamento masculino

terça-feira, 30 de junho de 2015

O pantagruel das letras: escrevendo sobre tudo, de carros a submarinos

Escritores podem e gostam de viver bem: quem não tem uma vida interessante certamente sabe menos e tem menos histórias a contar. O jornalismo me permitiu conhecer gente importante e interessante e me permitiu experimentar e ver coisas e lugares aos quais a maioria das pessoas não tem acesso, ou tem acesso somente quando tem muito dinheiro. Dirigir e escrever para revistas de estilo de vida, o que faço desde muito cedo, me permitiu falar com certa propriedade a respeito de tudo. Carros, bebidas, charutos, viagem, vinho, gastronomia, arte... Não há praticamente nada que eu não tenha estudado ou me interessado para poder escrever.

Há alguns anos, a jornalista Dulce Pickersgill tocava na Editora Abril a Revista A, magazine dedicado ao alto luxo, voltado para os super-ricos, tendo como modelo a americana Robb Report. Impossível fazer reportagens in loco sobre tudo sobre o que a publicação discorria: seria a revista também mais cara do mundo. Dulce precisava de alguém já com bagagem, que lhe poupasse algumas despesas. Mais  que isso, precisava de alguém que falasse de um tema como carros, por exemplo, não como um técnico, ou um vendedor - e sim como alguém que entendia o espírito de possuir um carro de luxo e se interessava pelo que ele significava.

Daí... Eu.

Escrevi sobre marcas consagradas, mas não só isso. Quando algo parecia interessante, mesmo não tendo uma história por trás, não deixava de se criar o mito. Foi o caso do Spada TS, um carro do qual eu nunca tinha ouvido falar. (E possivelmente jamais ouviremos falar dele outra vez). Não importava que não tinha tradição. A revista a iniciaria. Comecei pelo título: "Nasce uma lenda".

Deu tão certo que logo Dulce quis me entregar outros assuntos da revista. Para não dar na vista que eu escrevia um bom pedaço dela, inventamos um pseudônimo: Yuri Vidal. Esse cara também era extremamente versátil. Juntos, eu e meu alter ego escrevemos sobre motocicletas, barcos, charutos, cachaça e até submarinos. Quando fui digitalizar as páginas de revista que guardei, apenas uma amostra de tudo, eu mesmo fiquei impressionado com a variedade de temas.

Na realidade, isso somente foi possível por uma razão. Eu jamais escrevi sobre carros, charutos comida. Não, exatamente. POr trás de cada objeto, ou mesmo de uma marca, ha uma ideia, um criador, uma história. Eu olho sempre para a vida. Todas essas reportagens, se tratam de assuntos específicos, falam na verdade da experiência humana, da civilização, o prazer de viver e de como desfrutar o que há de melhor.